domingo, 5 de setembro de 2010

Caminhos - parte 2


Eu não conseguia ver a paisagem do lado de fora daquele cômodo, e me deu uma certa curiosidade, pois entrei sem passar por portões, ruas, nem nada que me fizesse saber meu paradeiro. Destravei o trinco da enorme janela de vidros lisos e fui arrastando-a lentamente para que se abrisse. Era estranho ter uma janela tão moderna meio a um lugar tão século XIX. Pois bem, abri toda a janela e era como olhar para um lençol branco estendido no varal. Alguns vultos e borrões o ultrapassavam, mas nada concreto, que eu pudesse me familiarizar. Me apoiei sobre a janela e tentei forçar um pouco mais a minha visão, calmamente. E nada. Mas, nada mesmo. E o pior, a barulheira prosseguia sem cessar. E eu nada podia fazer. Fechei a janela.
Comecei a andar em passos vagarosos pelo lugar, observar a arquitetura, os quadros de pinturas paisagistas, tinha um de um jarro com apenas uma flor vermelha dentro de fundo beje escuro, era bonito. Encontrei em cima de uma mesa coberta por um pano branco empoeirado uma caixinha de música. Abri e um som suave de piano começou a tocar, eu coloquei próximo a meu ouvido para ouvir melhor e sorri. Era tão gostoso como deitar em uma rede, no puro som da natureza. Me imaginei deste mesmo modo por um instante, fechei a caixinha depois de admirar a bonequinha bailarina que havia dentro dela e coloquei perfeitamente onde estava, mas a limpei por cima primeiro. Bati as mãos uma na outra e passei por minha camisola, voltei andando para onde estava o sofá e me sentei. Queria tapar os ouvidos mas fiquei com medo de que as portas percebessem.
E se eu as enfrentasse? E se eu escolhesse uma delas? O que haveria por trás? O que tanto elas queriam dizer a mim com toda aquela revolução? Meu pai sempre me ensinou a bater antes de entrar e nunca fazer algo que eu não tivesse pelo menos uma pequena noção do que eu teria como consequência. Novamente, deixei o sofá, respirei fundo e me preparei para um confronto psicológico. Talvez estivesse eu, sendo dramática demais? Eu fui andando em direção a elas e o barulho foi aumentando, eu parei atordoada com tudo aquilo, respirei fundo por mais uma vez e prossegui. Parei na primeira porta da direita e ela se fechou diante de mim. Assim, todas pararam também. Eu bati. Três batidas formais. Então ela se abriu e pude ver muitas pessoas juntas, pareciam estar dançando, era dificil ver pela escuridão da imagem, e foi somente o que deu para ver, logo ela se fechou bruscamente. Fiz isso por todas as portas, e todas me mostraram figuras de muitas pessoas, algumas não mostraram absolutamente nada, outras de congestionamentos e altos prédios, uma mostrou um campo lindo e infinito, me pareceu perfeito, mas me contive. Todo aquele concerto de portas parou e eu podia sentir o zumbido dentro dos meus ouvidos. Mas ouvi um maior ainda e, quase que instantaneamente, olhei em volta, um pouco apreensiva. Depois de um itervalo de tempo, ouvi novamente e tentei destinguir de onde poderia vir o barulho, o que me levou até a janela. Corri até ela e abri de súbito. Passei os olhos por todo aquele branco meio borrado, zanzando de um lado para o outro, quando vi logo abaixo um sorriso. Ah, eu reconheceria aquele sorriso de longe. E o restante do rosto se fez em minha visão. Os olhos maquiados, um pouco borrados nas laterais, brincos presos nas orelhas, um copo de alguma bebida na mão esquerda. Ela gritou e começou a rir. Trançou um pouco as pernas, pois pude perceber o desequilibrio e algumas gotas do líquido respingando no chão. Minha expressão exclamativa mudou para uma de insegurança. Foi aí que ela jogou o copo fora e, ainda rindo ergueu os braços, fazendo um tipo de curva com eles e voltou a gritar, agora pedindo para que eu pulasse. Eu estranhei, mas não disse nada, só fiquei a pensar, para entender aquilo.

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