terça-feira, 27 de abril de 2010

She's not broken. She's just a baby.

Ajustei o vestido, regulei o colar, verifiquei os anéis e se ainda haviam brincos intactos em minhas orelhas. Joguei o cabelo, abaixei os fios rebeldes, calcei minhas sandalhas e andei calmamente até o banheiro. Minhas mãos transpiravam gelo no mármore da pia mas meu sangue pulsava caloroso nas veias. Ergui meu rosto até alcançar meus olhos refletidos no espelho. A gota salgada escorreu e se esparramou, respingando seus vestígios em meu polegar esquerdo. Repuxei o máximo de oxigênio duas vezes e espirei de forma que meus pulmões reclamaram.
Sem desviar a atenção do vidro, busquei por minha bolsa no cabide próximo a porta, o mesmo caiu quando a puxei. Não me importei, nem com o estrondo, nem com a bagunça. Molhei minhas mãos na água corrente da torneira e passei por meu rosto já úmido. Enxuguei-o, toalha branca que após meu ato se tornou um pano borrado de beje claro, escarlate e grafite. Minha esponja de pó compacto percorreu minhas olheiras decorrentes da noite passada com reforço e o restante de meu rosto de leve. O toque da ponta do lápis deliniador provocou ardencia em meus olhos. Cobri minha boca rosada e ressecada de um batom vermelho vivo, amassei os lábios um sobre o outro e deslizei a língua por eles. Tinha gosto de baunilha. Não era doce. Guardei meus pertences e passei as alças de minha bolsa preta envernizada por meus braços, com muito cuidado para não deixar de me olhar. Esbocei um sorriso. Fechei-o. Arqueei a sobrancelha direita, desafiando a mim mesma. Desafiando minha alma por trás da íris escura que se fitava. Ordenei que minhas costas se firmassem em uma postura correta, alinhei meu queixo.
Em um piscar, observei o quarto através da porta aberta, atravessei-a. Marquei o contorno d
e minha boca, então avermelhada, no rosto do rapaz desacordado na cama coberto apenas por um lençol de seda cor de sangue. Eu sangrava também, hemoglobinas invisíveis a qualquer olho, até mesmo ao meu. Passeei meus dedos pela estante de fotos, segurei o porta retrato dourado com detalhes em forma de coração. Tomei todo o cuidado para colocá-lo de costas sobre a madeira, abri e retirei a foto que estava lá dentro. Rasguei a parte feminina - uma morena de aparência jovem ,bonita e de nenhum traço em comum comigo - fechei com esta parte virada para trás. Observei por alguns segundos a fotografia. Me senti enauseada, cuspi. Sem olhar, joguei com toda a força que pude reunir, aquele enfeitezinho de quinta sobre chão ao mesmo tempo em que abri a porta. Usei a mesma força para fecha-la. Além do "tok tok" persistente que vinham de meus pés e o barulho interminável da rua a paredes e degraus de distancia, ouvi um sussurrar confuso e angustiado de meu nome.
Não. Não chame por meu nome. Não mais.
Sorri novamente, mas desta vez sem o desmanchar. Percebi o sangramento e preparei minha própria sutura. Era o começo de meu concerto, da mundança de conceito, com ou sem isso ser aceito. Eu seria aceita por outro, por outros, por outra, por alguém. Por cem, por mil, por mim, por um fio escapei do passado que já não era meu. E nada de fim.

2 comentários:

  1. Amei o texto inteiro, mas o ultimo parágrafo me tocou demais.
    Lindo, *-*
    Parabéns.
    Beeeeeeijos :D

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