segunda-feira, 16 de abril de 2012

Desabitada

Eu vivia sempre fechada, portas e janelas trancadas por dentro, chaves guardadas dentro da gaveta de um armarinho lá nos fundos, feito de madeira pura. Lá também ficavam alguns pertences, alguns objetos de valor sentimental ensacados, embalados e.. alguns eu havia perdido. 
Quando ao cair do Sol, apareceu alguém parado no meio da rodovia, me encarando, observando cada detalhe de mim. E ele foi se aproximando lentamente, pé ante pé, com cara de curiosidade, daquelas que a gente não suporta sentir até matar. Parou na minha frente e sorriu. Passou os degraus e pousou seus dedos na maçaneta empoeirada. Eu estremeci e ele assustou, afastando por dois passos. Mas não era do tipo que desiste fácil e voltou a tocar a maçaneta, tentou gira-la mas nada aconteceu. Ele desceu os degraus e foi checar as janelas, tentou abri-las mas novamente foi em vão. Então se sentou baixo a uma árvore perto de mim e retirou um pequeno lanche de dentro da mochila, depois de comer puxou um caderninho e um lápis e começou a rabiscar alguma coisa. Ficou alí por uma meia hora no mínimo, depois sorriu para mim e mostrou o desenho. Ele tinha os mesmo detalhes, a mesma perspectiva. Todas as marcas na madeira, a tinta descascada, as tábuas pregadas nas minha janelas.
Meu interior se preencheu de uma alegria quente e estasiante. Era como se eu estivesse sendo habitada novamente só por ter visto aquele pequeno desenho, aquele sorriso de menino despreocupado. Resgatei minha chave e me destranquei. Abri a porta e ela rangeu, chamando a atenção do rapaz que admirava a própria obra prima. Ele se levantou rapidamente e foi se aproximando novamente, colocou seu pé direito sobre meu assoalho e foi adentrando com os olhos atentos. Assim que senti sua presença viva em mim, Bati a porta num ímpeto de felicidade, mas isso fez com o que o rapaz se assustasse. Ele tentou puxar a maçaneta para sair mas eu não queria que ele fosse embora e me deixasse ali. Ele puxava e repuxava, começou a chutar e eu sentia dor, tanta dor que comecei a chorar, e o segundo piso foi se esvaindo em poeira sobre o primeiro. Alguns detritos cairam em cima do meu visitante. Ele começou a sangrar pelo ferimento na cabeça e ficou ainda mais apavorado. Tentei faze-lo se acalmar e então lhe empurrei uma poltrona, e não entendi quando ele se levantou assustado e começou a me chutar novamente.
Por fim, ele conseguiu arrombar minha porta e saiu correndo, olhando raivoso para trás. Pegou a bicicleta jogada na encosta da estrada e foi embora. Foi algo tão traumatizante que nunca mais me abri para ninguém. Ainda posso ouvir sua voz me dizendo "Casa idiota, casa idiota, casa idiota..."